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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Estes são os meus sinais



Desloco-me pelo mundo
deixando mil marcas deléveis
por onde passo

O rastro dos meus sapatos
a assinatura  térmica do meu espectro infravermelho
as sombras que projecto em superfícies opacas
os reflexos em superfícies espelhadas
os sulcos no solo em que ajoelho e me ergo

O suor
o sangue
o sémen
o pranto
outros humores e fluxos fisiológicos
e os demais sais minerais
ruídos
gritos
sorrisos
suspiros
e “ais”

Mais as indeléveis mensagens de amor
nos poemas que escrevo
nas árvores que planto
no calor humano que dispenso

Sonhos e enganos que me marcam a alma

Desloco-me apenas em parte do Planeta
área ínfima do Cosmos
mas deambulo por todo o Universo
sempre que viajo por mim adentro
tentando alinhar um verso

Estes são os meus sinais



sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Amora silvestre



Recordo-a agora que é tempo de vindimas
de cânticos de meninos e meninas
que os silvedos que bordejam os caminhos floriram
e se emolduraram de botões de amora
doces
pequeninos

Nunca me dera por ela embora a tivesse ali
ao alcance das mãos que se apertavam
dos braços que por tudo e por nada se abraçavam
dos rostos que amiúde se tocavam
dos sorrisos que a toda a hora se trocavam
dos olhares que se conluiavam

Porém
naquela manhã louçã
na verde verdade da mocidade que não mente
certo e sabido que uvas
amoras
espigas
e raparigas
amadurecem simultaneamente
mas os rapazes só mais tarde

Na sequência da brincadeira
colocou ela uma amora silvestre
preta
aveludada
entre seus lábios carnudos
carmim
e de olhar lampejante de sedução
me desafiou a mim
matreira
a que lhe roubasse a doce drupa
não com a mão
mas com os lábios ávidos do coração

Percebi
não resisti
e lancei-me de imediato
na inocente disputa

Aconteceu o inesperado
porém

Quando os nossos lábios se tocaram
todos os sentidos falaram
soltando descargas eléctricas
magnéticas
por todo o lado

Segurei-lhe a cabeça pela nuca
para a agarrar com força
ela fez-me o mesmo a mim
donde resultou que sem querer
e sem eu saber
naquela mesma hora
se esborrachou a amora do amor
e os lábios
os rostos
coração
se pintalgaram
com o sumo da paixão


Vale de Salgueiro, quinta-feira, 6 de Novembro de 2008
Henrique Pedro




quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Uma rosa negra de tristeza



Marianinha anda triste…
…triste…triste…triste

Uma rosa negra de tristeza
lançou raízes em seu coração
capazes de o fazer morrer

Cravou espinhos agudos
em todos os seus órgãos
que a todos fazem doer
sem compaixão

E perfumou de tristeza
todo ar à sua volta

Só de tristeza
Marianinha anda envolta

Marianinha está triste
…triste…triste…triste

E ninguém a poderá consolar
o amor de Marianinha partiu
fugiu para o lado de lá do mar

Marianinha anda triste
…triste…triste…triste
de morrer

É uma rosa negra da tristeza
em toda a sua pureza
só o tempo a poderá alegrar
pôr sorrisos novos em seus lábios
no seu ventre filhos semear
fazer dela mulher


sábado, 22 de outubro de 2016

Sex-appeal



Cruza e descruza as pernas
delgadas
longas
com sensualidade
dando fugaz liberdade a virgindade

Solta sorrisos etéreos
em silêncio
mas nada me diz

Chispa olhares faiscantes
que são desejos
relutantes
na alvorada que já não tarda
mas de nada me fala

Sopra novelos de fumo
que se evolam do cigarro que rola nos dedos  sábios
e que mal leva aos lábios
como se fossem malmequeres floridos
defumados
numa já tardia Primavera

Sacode os cabelos soltando pós mágicos
de perlimpimpim
bolas de sabão perfumadas
irisadas de erotismo radiante
que vêm explodir no meu rosto
e me sobem ao nariz
como vapores de vinho mosto

Enquanto isso faz as pedras de gelo a tilintar
no balde que em que resfria
o espumante
e acalenta estuante alegria
de me querer conquistar

Debalde

É madrugada entretanto
ainda assim


Vale de Salgueiro, segunda-feira, 8 de Agosto de 2011
Henrique Pedro

terça-feira, 18 de outubro de 2016

À janela, a ver chover



Postado à janela
cismado
a ver chover
sem ter que fazer
nem para onde ir
entristeço

Nos campos sente-se a erva medrar
com tanto calor
e humidade

Os cães pararam de latir
os pássaros deixaram de voar
esmoreço
desolado
a ver
chover
no molhado

Há dias assim
sem alegria
nem beleza
dias em que até a poesia
induz tristeza

Amiúde deito a cabeça de fora
para espreitar o céu
com desejo de partir

E vou-me embora
sem sair
deixo-me ficar onde estou
até ver

Sem ter para onde ir
sem nada ter que fazer


segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Será seu este Citizen Card?





De quem é não tem interesse
já se vê
nem a mim mesmo me interessa saber
sequer

De um simples Cartão de Cidadão se trata
(de um Citizen Card)
que a todos nos maltrata

Um nome e um apelido
uma minúscula fotografia do rosto 
sem alegria nem fantasia
(deveria estar, sim, nele retratado o coração dorido, afim ou malsão)

Um número de contribuinte, a tal identificação fiscal
(que por certo não terá quem for pedinte)
uma letrinha pequenina para o sexo
(ao que parece, irão pôr mais letras indicativas do género e da classe social)

A medida da altura
(que omite a nossa postura na vida e na sociedade, se falamos ou não verdade)
mais o número de utente do Serviço Nacional de Saúde
e da Segurança Social
seja são ou doente
e mais números ainda sem significado
trate-se de pessoa de virtude ou de pecado

Ao real humano ser que somos
nem se alude

Resumindo

Não importa o que somos ou o que fomos

Apenas uma dúzia de dados
para alguém dar ou vender
pois então
destinados a serem manipulados
repartidos
e abatidos
se acaso o Orçamento de Estado 
(ou a Segurança Nacional) 
para nosso mal e a Bem da Nação
assim o entender

Quem é você não tem interesse
já se vê
nem a mim mesmo me interessa saber
sequer

A mim só me importa saber o que sou
isso sim
porque isso eu não sei!

Embora saiba que sou mais que a estúpida amargura de não ser
aquilo que outros gostariam que eu fosse
ou que me impelem a que seja

Herói de banda desenhada
notícia desejada
cidadão eleitor
impostor
pagador de impostos
utente de qualquer coisa
e mais nada

Embora saiba que não sou aquilo que gostaria de ser
que não sei se sou
mas que poderei ser sem saber!


Vale de Salgueiro, quarta-feira, 28 de Abril de 2010

sábado, 15 de outubro de 2016

Silvas e Roseiras em Flor




Silvas

daninhas

marginais

floridas de florinhas pequeninas

suavemente coloridas

emolduram os muros

que marginam

os caminhos

rurais

 

Espinhosas

como as rosas

que são mais vistosas

nos canteiros

dos quintais

 

As silvas dão amoras

saborosas

enquanto as rosas

de pendor mais romântico

se esvanecem em perfume

e cor

enigmático cântico

de dor

amor 

e ciúme

 

Silvas e roseiras

ambas espinhosas

ambas em flor

o mesmo hino

sibilino

de louvor

ao Criador

 

Vale de Salgueiro, sábado, 12 de Junho de 2010

Henrique António Pedro


 

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Dando tempo ao tempo




Apercebo-me de um mais débil pulsar
de badalas langorosas de cansaço
corro a dar corda aos meus relógios
para assim os espevitar
não vão eles parar
e com eles parar o tempo

Iludo-me…

Pensando que o tempo sou eu que faço
mas o tempo não tem origem em mim
apenas o mais puro sentimento
me vem de dentro

Ainda assim...

Como os maquinismos mecânicos
prolongam as horas e os dias
dos mecanismos do tempo
em badaladas mais sonoras
e prolongadas

Também…

Os beijos e os afagos
animam o bater dos corações
e reanimam
com seu calor
as maquinações da relojoaria do amor
e dão mais tempo
ao tempo

Mas o tempo…

Sempre está a acontecer
esgota-se por si só
com dor e desdém
sem dó nem piedade
e tudo acaba por morrer
deverdade

A menos que a mecânica celeste
com sua engrenagem cor-de-rosa
nos conduza em viagem
mais esperançosa
no além


segunda-feira, 3 de outubro de 2016

E se os humanos fossem pássaros?




Esta recomendação faço com emoção
ao Criador

Se acaso entender corrigir a Criação
então
que faça dos humanos
desta vez
aves

Que os coloque de novo sobre as árvores donde desceram
(Como defendem os evolucionistas)
mas que não permita que agora as deixem
jamais

Que fiquem por lá para sempre
ganhem penas e asas que os habilitem a voar
como as pombas, os pintassilgos ou os pardais

E que voem aos pares pela Primavera
que se amem com arrulhos
a saltar de ramo em ramo
a chilrear
bastando uma amorosa bicada
em pleno ar
para o homem–pássaro galar a mulher-ave
e a engravidar


Que por lá construem seus ninhos
nos quais a nulher-ave porá os seus ovinhos
que chocará com seu calor maternal
até que a casca quebrar e soltar os meninos-passarinhos
que só abandonarão o ninho
quando souberem voar



Será assim mais fácil lançar-se o homem na exploração espacial
não terá necessidade de construir aeroportos
auto-estradas
arranha-céus
nem de transformar o planeta Terra
num cometa

Porque tudo
ou quase tudo
desde o nascer, ao amar, ao morrer
se passará como com as aves

No ar


Vale de Salgueiro, segunda-feira, 27 de Abril de 2009
Henrique Pedro




domingo, 2 de outubro de 2016

Poema erudito




É ideia deste poema nada dizer
a ninguém
não obstante quem o ler
seja livre de o interpretar
como lhe aprouver
e melhor lhe convém

Pretende ser um poema erudito
não há como o contornar
embora o léxico não seja académico
muito menos jargão
não disseque a alma de ninguém
não verbere o acordo ortográfico
nem diga mal de nada
ou fique de boca calada

Embora seja assintomático
não respeita o modismo endémico
não segue corrente literária
muito menos política agrária
nem é escrito à mesa de café

Pode muito bem ser, porém
declamado
e aplaudido de pé
até
como tantos da sua igualha
de muito  poeta consagrado

Este poema é erudito
sim
mesmo sendo ruim
não fala de coisa nenhuma
nem diz coisa com coisa

Quem o ler
nada ficará a saber
embora fique a pensar
e sabe-se lá o quê…
…de mim